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8 - Conhecimentos Essenciais para a Trajetória Formativa de Jovens, Adultos(as) e Idosos(as) - APPIA - Consolidando Projetos de Vida

A construção de uma política educacional que se revela e se apoia em direitos, além de necessidades e intenções, é um desafio quando se discute a educação de jovens, adultos e idosos no Brasil. Na construção de propostas, projetos e programas para o atendimento a esses sujeitos, que um dia tiveram seu percurso de escolarização interrompido, a história nacional caracteriza-se por um constante “inacabamento”, acumulando novas frustrações e descontinuidades que não podem ser ignoradas quando se esboça qualquer nova proposta.

Quem são os sujeitos da EJA? A diversidade de necessidades e de demandas apresenta-se como o ponto central e essa é a grande dificuldade na construção de uma política mais ampla. Algumas pessoas adultas ou jovens conseguiram seguir o caminho da escola formal por tempos qualificados e algum impedimento pontual os retirou do rumo; outras, nunca tiveram a oportunidade de frequentar a escola, por uma história de vida complexa e inexorável; outras, trazem questões da própria realidade social do país, que impediu o acesso a direitos socioculturais importantes para o delineamento do projeto de vida pessoal. Tais características se entrelaçam e constituem uma rede de aspectos e demandas educacionais que, necessariamente, deveriam fazer parte da construção de uma proposta pedagógica educacional para esses sujeitos.

Nessa perspectiva, percebe-se que algumas pessoas apenas demandam a finalização de seu processo de escolarização, com a certificação formal exigida para o ingresso em algum emprego. Outras, ainda não conseguem se engajar e se inserir, de forma plena, na sociedade porque não adquiriram os mecanismos dos processos de leitura e escrita e isso dificulta a aquisição de autonomias simples, como a capacidade de orientação, por exemplo, por placas de sinalização nos ambientes sociais. Outras, por sua vez, precisam de uma formação sociocultural para o entendimento do contexto em que vivem, entendendo as regras e jogos da vida na cidade, no trabalho, na família e no mundo.

Nesse contexto, os desafios se concretizam e colorem a necessidade de investimentos criativos, inovadores e realmente diferentes do que o já dado e apresentado pelos sistemas de ensino. Além disso, não se pode pensar em um único modelo de proposta pedagógica. Precisamos de propostas, de possibilidades capazes de atender e dialogar com estudantes diversos, porque são pessoas que já sabem o que precisam. Já traçaram projetos de vida e foram frustrados nessa caminhada. Já entendem que o jogo social exige deles algo que não têm e que, por isso, estão buscando na escola. Existe uma urgência nessa oferta.

Sendo assim, é preciso um olhar sensível no que se refere à oferta da modalidade para atender às necessidades dos(as) educandos(as) em relação a seus tempos de estudos e suas capacidades cognitivas. As Orientações para o Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte apresentam três princípios fundamentais:

Flexibilidade, em relação à estrutura do curso (tempos/espaços, currículo, avaliação, certificação); mobilidade, para garantir a individualização dos percursos formativos dos estudantes; diversidade, para atender à heterogeneidade do público jovem e adulto e idoso quanto a faixas etárias, grupos étnico-raciais, culturas, relação com o mundo do trabalho (BELO HORIZONTE, 2014, p. 46).

Como foi dito, pela sua ampla vivência social, o sujeito que frequenta a EJA traz consigo uma trajetória que dialoga com as mais diversas situações. Nesse interagir com o mundo, ele adquire experiências por conseguir problematizar e levantar hipóteses que procuram solucionar os desafios que emergem em seu cotidiano. Sendo assim, a escolarização possibilitará o desenvolvimento do seu conhecimento potencial, através da valorização da sabedoria popular, construída historicamente pelo sujeito, em diálogo com o saber acadêmico. Dessa forma, como afirmam as Proposições Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos de Rede Municipal de Educação, “compete à escola e aos educadores dotar de significado as aprendizagens escolares, de modo que os estudantes possam valorizá-las e utilizá-las, fazendo intervenções na sociedade” (BELO HORIZONTE, 2016, p. 22).

A partir dessas reflexões, a Coleção “Ler Palavras e Ler o Mundo” foi proposta como eixo central na construção dos percursos curriculares para essa modalidade de ensino. A Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte firmou parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, que participam dos Cursos de Especialização na Educação de Jovens e Adultos do Laseb e do Mestrado Profissional, para que organizassem uma proposta curricular que contemplasse as possibilidades de atendimentos às demandas por escolarização desses sujeitos, no contexto dos princípios levantados para uma verdadeira política de Educação de Jovens e Adultos. Esse grupo decidiu, então, por construir uma proposta curricular por meio de uma produção original, diferente do desenho dos percursos curriculares, que foi denominada Coleção Cadernos Pedagógicos da EJA – Lendo o Mundo, Lendo Palavras, constituída por:


Caderno 1

EJA: Espaço e Cultura - Direito à Cidade.
O Caderno examina, por um lado, as barrei•ras físicas e simbólicas que limitam a circulação das pessoas na Cidade e, por outro, coloca em relevo algumas potencialidades educativas suscitadas pela interação entre sujeitos da EJA e a Capital Mineira. Além disso, busca compreender a apropriação desigual, a gramática e a pedagogia da cidade de Belo Horizonte. Espera-se que esses cadernos contribuam para se pensar a relação entre nossa Metrópole e seus elementos, bemcomo sua potencialidade educativa.

Caderno 2

EJA e Cidade - Direito à Memória.
Tomando como ponto de partida a construção de Belo Horizonte no final do Século XIX, o caderno aborda a chegada dos primeiros trabalhadores na Capital Mineira, bem como a apropriação do espaço urbano constituído pela relação centro/periferia. Nesse material, além da questão da memória, os conceitos de paisagens, lugar e território ganham centralidade. O intuito principal é debater sobre o direito à cidade, sua apropriação desigual, sua gramática e pedagogia. Espera-se que esse compêndio contribua para se pensar a relação entre nosso Município e seus elementos, bem como sua potencialidade educativa.

Caderno 3

EJA e mundo do trabalho - direito à dignidade.
O trabalho possui grande centralidade na EJA, dada seu peso na vida dos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos. O trabalho indaga, por um lado, os tempos escolares na EJA. Tanto o início quanto o término das aulas precisam levar em conta as especificidades do aluno-trabalhador. Por outro lado, o trabalho questiona o currículo de Educação de Jovens e Adultos. Como o mundo do trabalho é abordado em sala de aula? Que concepção de trabalho norteia as atividades desenvolvidas no contexto escolar? Este caderno propõe tratar dessas e de outras questões, colocando em relevo o trabalho no mundo globalizado.

Caderno 4

EJA: Saúde e Corporeidade - Direito à Vida.
A OMS define saúde como bem-estar físico social e mental e não apenas como ausência de doenças. Isso implica em refletir sobre as questões de moradia, saneamento básico, segurança alimentar e nutricional, relações interpessoais, lazer. No centro do debate, encontram-se os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos e a cidade de Belo Horizonte. A corporeidade, embora possua um componente biológico, está enredada no campo cultural e por relações de poder. Este caderno se propõe a abordar esses dois temas. O objetivo central é oferecer aos educadores suporte teórico e didático para tratarem desses temas em sala de aula.

Caderno 5

EJA e Educação Midiática - Direito à Comunicação e à Informação.
Com o advento da midiatização da sociedade, o ofício de estudante passa por importantes mudanças. Isso pode ser notado no uso das redes sociais, da internet e do celular, empregados não raramente para a realização de trabalhos, revisão de prova, para fotografar o quadro, com registro de informações escritas pelo professor e para ampliar as conversas da turma escolar no espaço on-line. Nesse contexto, o uso do lápis, da caneta e do caderno tem sido redefinido. O vídeo, com teleaulas, tornou-se uma possibilidade de revisão e aprofundamento de estudos. O Whatsapp ampliou a sala de aula. Como tais mudanças têm chegado à EJA da Rede Municipal? Como os professores e professoras têm lidado com essa nova situação? Este caderno tem por objetivo analisar a importância das tecnologias digitais na sociedade, bem como destacar suas potencialidades educativas na modalidade de Educação de Jovens e Adultos.

Esses cadernos foram produzidos com efetiva participação de professores(as) da EJA da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, por estudantes de licenciaturas da UFMG e por professores(as) universitários/as da UFMG e da Universidade Federal de Goiás e da Universidade do Estado de Minas Gerais. Toda a coleção ficou acessível na plataforma de formação dos professores e professoras e ficarão disponíveis suas versões digitalizadas aos demais profissionais da educação.

A intenção dessa coleção é abrir um debate sobre situações que nem sempre são pensadas como possibilidades educativas, mas que integram as dimensões formadoras da vida de adolescentes, jovens, adultos/as e idosos/as que estão matriculados na EJA da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte. Por outro lado, sua proposta metodológica pretende instigar a criatividade dos educadores e das educadoras, por meio de situações-problema, provocações teóricas, relatos de experiência e sugestão de sequências didáticas, tendo como princípio o diálogo permanente com os sujeitos discentes da EJA.

O material foi pensado numa perspectiva abrangente, elaborado por várias mãos, diversos âmbitos e múltiplos formatos possíveis, numa escrita capaz de tocar nas inúmeras demandas pela formação escolar, além de permitir que cada sujeito encontre, nas temáticas e abordagens, a linguagem que melhor dialogue com suas necessidades.

Pensar em uma referência pedagógica para a Educação de Jovens, Adultos e Idosos, em que sejam contempladas habilidades e capacidades, além de objetos de conhecimento, implica refletir sobre o(a) educando(a), suas especificidades e seu lugar no mundo. Em geral, esses sujeitos são trabalhadores(as) que podem estar desempregados(as) ou inseridos(as) na economia informal e que residem em áreas de alta vulnerabilidade social. Em relação à trajetória escolar, são pessoas marcadas por práticas e situações de exclusão, como remanejamentos de turno ou de escolas, históricos de repetência e de defasagem entre e idade e escolaridade. São, enfim, pessoas que tiveram seus momentos escolares, em sua infância ou juventude, interrompidos (SOARES, 2006; BELO HORIZONTE, 2014; SOUZA; MACHADO, 2018). Quando retomam seus estudos na Educação de Jovens e Adultos (EJA), apresentam algumas limitações nos processos de ensino-aprendizagem, fruto de uma experiência escolar excludente ou oriundas do cansaço devido ao acúmulo de tarefas laborais (SILVA; NASCIMENTO, 2013). Por essas razões, a coleção procurou criar, em cada capítulo, um diálogo com linguagens diferentes no trato da temática em questão, organizando a leitura e a interlocução com o tema em quatro seções, cada uma explorando possibilidades de leitura do tema e do mundo em formatos diferentes.

A primeira seção tem como característica a narração de um “causo pedagógico”, uma crônica que trata de questões cotidianas que emergem no contexto da EJA e que, a despeito de seu caráter potencialmente educativo, não se traduzem, via de regra, na construção sistemática de uma proposta pedagógica. A segunda seção busca tratar, de forma acadêmica, a situação-problema suscitada pelo “causo pedagógico”, colocando em relevo algumas perspectivas teóricas conceituais e metodológicas desenvolvidas por pesquisadores(as). A terceira seção tem como marca a descrição de um relato de experiência de professores(as) que atuam na Educação de Jovens e Adultos na Rede Municipal de Belo Horizonte. A última seção apresenta sugestões de sequências didáticas, com propostas pedagógicas que podem ser trabalhadas em sala de aula.

As dimensões formadoras de cada seção estão associadas aos conceitos estruturadores, capacidades e conteúdos sugeridos, categorizados em cada área do conhecimento, estabelecendo, assim, um diálogo importante com as Proposições Curriculares da Rede Municipal de Educação, estruturada em quatro colunas: área de conhecimento (Ciências Humanas, Língua Portuguesa, Arte/Educação Física, Língua Inglesa/estrangeira, Ciências da Natureza, Matemática); dimensão formadora (território, trabalho, memória e corporeidade); habilidades e conteúdos. O cruzamento desses materiais permite traçar um caminho importante para a proposta pedagógica desta política pública de atendimento educacional.

Além da elaboração de um Percurso Curricular Emergencial para a EJA, é importante salientar que essa produção favoreceu a criação de um curso de aperfeiçoamento para 200 professores(as) lotados/as na EJA da Rede Municipal de Educação. O projeto de extensão “Curso de Formação Continuada em Produção de Materiais Didáticos para Educação de Jovens e Adultos”, oferecido pela Pró-Reitoria de Extensão da UFMG, sob coordenação do Professor Heli Sabino de Oliveira e da Professora Maria José Pinto Flores, evidencia o caráter intencional e planejado que caracteriza uma educação formal. Nesse sentido, compreendido em sua totalidade, esse projeto põe em relevo a política pública da EJA em Belo Horizonte, tratada em seus aspectos pedagógicos, educativos e não assistenciais. A professora e o professor não são, nesse processo, vistos como transmissores(as) de informação e conhecimento, nem como profissionais cuja função se restringe à socialização.

Tomando a concepção da pedagogia de projetos como referência, o material apoia-se em temáticas que dialogam com a formação da vida adulta, buscando, por meio de situações desafiadoras, instigar a curiosidade e a resolução de problemas. Além disso, a relação com o saber não é pensada de forma dissociada da vida e do contexto em que o conhecimento foi produzido. Trata-se, pois, de uma proposta pedagógica que visa criar um ambiente em que a aprendizagem tenha significado e sentido para os(as) estudantes da EJA.

Nesse sentido, pautadas pela ideia de consolidação dos projetos de vida dos sujeitos, com o apoio da escola, a proposta curricular da EJA se insere no conceito APPIA de formação, que abraça os princípios da continuidade dos processos de aprendizagem e da não interrupção na trajetória da formação humana.

Vale destacar que esse percurso curricular não deve ser concebido como uma orientação padrão e imutável. Pelo contrário, cada instituição de ensino, com sua respectiva autonomia e atendendo à sua realidade, poderá utilizá-lo como um documento auxiliar. Ao ser integrado na comunidade escolar, sua aplicação deve ser precedida e sustentada pelas análises dos dados do mapa socioeducacional da escola, considerando os recursos disponíveis.

É importante salientar que a relevância da EJA na cidade de Belo Horizonte incentivou no ano de 2018 o investimento na criação da linha “Educação de Jovens e Adultos”, na sétima edição do Curso de Especialização Lato Senso em Educação Básica (Laseb), da Faculdade de Educação da UFMG, buscando formar e constituir um grupo acadêmico de professores(as) da Rede Municipal de Educação interessados(as) na pesquisa e no estudo de propostas de ensino efetivas e é esse mesmo grupo de pesquisadores e professores da Rede Municipal que está à frente desse projeto de ensino.

Diante disso, compreendemos que o conjunto de ações, voltadas ao atendimento da EJA, representa o dinamismo e a grandeza de uma política educacional que reconhece e valoriza os educandos enquanto sujeitos que estão no centro do processo de ensino e aprendizagem. Acreditamos que por meio do envolvimento dos(as) professores(as), instituições parceiras e dos(as) educandos(as) na construção de uma política que busca retratar a identidade de Jovens, Adultos e Idosos reafirmaremos, para a cidade de Belo Horizonte, que o compromisso da Educação Municipal é ser de fato uma ação coletiva, contextualizada e aberta ao diálogo com os diversos segmentos sociais.

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