4 - Acessibilidade Pedagógica: Uma Construção Coletiva

Os desafios impostos pela pandemia trazem reflexões importantes sobre a garantia e a continuidade da escolarização aos estudantes. No atual contexto, as desigualdades sociais adquirem maiores proporções, intensificando situações desafiadoras que já faziam parte do cotidiano.

Pensar em termos de uma Educação Inclusiva é pensar numa escola que seja, verdadeiramente, para todos e todas e que enfrente, com dedicação e profissionalismo, a questão da diferença em todos os seus aspectos, de modo a fazer com que esse paradigma se traduza em ações pedagógicas concretas.

A educação inclusiva tem como premissa a garantia do direito de todos(as) à educação. Ela pressupõe a igualdade de oportunidades e a valorização da diferença humana. Implica a transformação da cultura, das práticas e das políticas vigentes na escola e nos sistemas de ensino, de modo a garantir o acesso, a participação e a aprendizagem de todos(as), sem exceção.

O direito à educação inclui o direito à aprendizagem e ao desenvolvimento de acordo com a capacidade de cada um. Tal dimensão, prevista na Constituição Federal de 1988, demanda da escola a valorização dos esforços e das aquisições de cada estudante, percebidos em relação ao próprio processo, e não a partir da padronização da aprendizagem ou da idealização do(a) estudante.

A compreensão de que cada um(a) aprende de uma forma e em um ritmo permite um planejamento coletivizado das estratégias pedagógicas e, considerando todos(as) os(as) estudantes da turma, com e sem deficiência. Educar na e para a diferença é trabalhar na perspectiva real da garantia de educação para todos(as).

Como refere Mantoan (2013), esse acolhimento impede que o ensino e a aprendizagem escolares de estudantes com deficiência sejam restritos a currículos adaptados, objetivos educacionais reduzidos, critérios de avaliação abrandados, terminalidade específica para certificação, facilitação de atividades. O que concebemos é o direito de autonomia intelectual do(a) estudante na interação com o conhecimento.

Considerar a diferença não tem a ver com um ensino adaptado ou especializado a partir da deficiência, mas com um planejamento pedagógico que garanta a todos(as) se desenvolver sem comparações, sem a aprovação ou a reprovação de outrem. Para tanto, são necessárias profundas transformações que vão desde as intenções da escola às estratégias de ensino nela desenvolvidas. (LANUTTI e MANTOAN, 2018).

Tendo em vista as especificidades do contexto atual, é de fundamental importância que:

• o ponto de partida seja a singularidade do sujeito, com foco em suas potencialidades. Se, por um lado, a proposta curricular deve ser uma só para todos(as) os(as) estudantes, por outro, é imprescindível que as estratégias pedagógicas sejam diversificadas, com base nos interesses, habilidades e necessidades de cada um(a). Só assim se torna viável a participação efetiva, em igualdade de oportunidades, para o pleno desenvolvimento dos(as) estudantes, com e sem deficiência.

• o mapeamento socioeducativo seja o instrumento para identificação das possibilidades de acesso dos(as) estudantes às atividades produzidas pela escola, bem como da identificação das barreiras existentes no ambiente familiar sejam elas físicas, atitudinais, comunicacionais, comportamentais, sociais, de convivência. O mapeamento auxilia na compreensão da rotina da família, amplia a potencialidade desta na mediação dos estudos de seus filhos e contribui nas ações de planejamento pedagógico.

• o diálogo seja constante entre a escola e as famílias, pois estabelece um vínculo de respeito e parceria na promoção e no desenvolvimento dos(as) estudantes. Cabe à escola orientar a família na organização da rotina, do ambiente e na mediação de estudos.

• estudantes com deficiência tenham garantidos os direitos à escolarização, recebendo as atividades e participando das estratégias pedagógicas construídas pelos(as) professores(as) das unidades escolares.

Quando o planejamento não leva em conta as particularidades de cada estudante, as estratégias pedagógicas podem constituir uma das principais barreiras à inclusão educacional de estudantes com e sem deficiência. Como este ano tornou-se um ano diferenciado, pode ocorrer que o(a) professor(a) da sala de aula ou mesmo o(a) professor(a) do Atendimento Educacional Especializado (AEE) não conheça o(a) estudante com deficiência, devido ao pouco tempo de efetivo trabalho com a turma. Nesse sentido, se o(a) estudante for novato(a) na escola, torna-se necessário intensificar o diálogo com a família e o contato com o(a) aluno(a), de forma virtual ou de outras possíveis maneiras, a fim de se ampliar esse conhecimento.

Para o desenvolvimento de práticas pedagógicas inclusivas, é de fundamental importância que o(a) professor(a), em cada ciclo e/ou disciplina em que atua, desenvolva uma atitude investigativa na busca do recurso, da atividade ou da mediação que melhor atendam ao seu(sua) estudante com deficiência.

Assim, o(a) professor(a) é protagonista nas decisões pedagógicas sobre o trabalho com seus(suas) estudantes com deficiência, sendo desejável, pois, que ele(a) inclua no seu planejamento estratégias diferenciadas e relacionadas ao conteúdo proposto para toda a turma, contando sempre com a parceria do(a) professor(a) do AEE e da Equipe de Inclusão Escolar.

O Atendimento Educacional Especializado tem por objetivo a promoção das condições de ensino e aprendizagem na escola, ou seja, é um serviço que busca soluções para o trabalho escolar. Portanto, para que seja efetivo, é necessário que o(a) professor(a), em sala de aula, informe seu planejamento pedagógico ao(a) professor(a) especializado(a) e experimente, observe e avalie as estratégias e os recursos propostos por esse serviço. Vale lembrar que o(a) professor(a) do AEE não é o responsável pelo(a) estudante com deficiência e nem organizará atividades diferenciadas.

Esse atendimento educacional contribuirá para um planejamento pedagógico inclusivo, tanto na proposição de estratégias diversificadas, considerando os interesses e as necessidades de cada um(a) dos(as) estudantes com deficiência, transtorno do espectro do autismo (TEA) e altas habilidades/superdotação, quanto na identificação das barreiras e sua aprendizagem na escolha ou NA construção de recursos ou estratégias para superá-las e para equiparar oportunidades.

Para efetivação de diferentes estratégias de ensino, a escola deverá pautar-se na acessibilidade, seja ela atitudinal, comunicacional, metodológica, linguística ou pedagógica, como possibilidade de eliminar as barreiras de acesso do(a) estudante ao currículo, previsto na Lei Brasileira de Inclusão (2015). Ressaltam-se:

• acessibilidade comunicacional: eliminação de barreiras na comunicação interpessoal (oral, língua de sinais - Libras), escrita (jornal, revista, livro, carta, apostila etc., incluindo textos em braile, ou ampliado e atentos à acessibilidade digital);

• acessibilidade metodológica: eliminação de barreiras nos métodos e nas técnicas de estudos (escolar), de trabalho (profissional), de ação comunitária (social, cultural, artística etc.) e de educação familiar;

• acessibilidade instrumental: eliminação de barreiras para o acesso e a utilização de instrumentos, utensílios e ferramentas de estudos (escolar), de trabalho (profissional), de lazer e recreação (comunitária, turística, esportiva etc.);

• acessibilidade atitudinal: eliminação de toda forma de discriminação baseada em preconceitos, estigmas e estereótipos em relação a qualquer pessoa.

A conquista do equilíbrio de planejar o ensino para o grupo de estudantes e para cada um(a), atendendo às características de desenvolvimento e garantindo a acessibilidade pedagógica, requer decisões e iniciativas colaborativas - objeto destas orientações. Nesse sentido, elencamos, a seguir, exemplos que buscam elucidar recursos acessíveis (desde a sua concepção à sua materialidade) que devem ser considerados em um planejamento que contempla a diversidade no ensino e a singularidade na aprendizagem:

​1) oferecer atividades e recursos diversificados que possibilitem trabalhar conteúdos com diferentes níveis de complexidade;

​2) utilizar material diversificado que propicie diversificados usos, diferentes vias de representação simbólica (apoio de desenhos, imagens, símbolos), variados modos de expressão, ampliação das alternativas e dos níveis de associação de ideias; contextualizando o(a) estudante no processo pedagógico de sua turma;

​3) empregar recursos como janela de Libras, descrição, audiodescrição, legendas nos materiais produzidos:

3.1) Para que sejam acessíveis, as videoaulas precisam apresentar a janela de Libras e todo material que contém áudio deve ser traduzido, possibilitando que estudantes surdos(as) tenham a mesma experiência de aprendizagem que os(as) demais. Os conteúdos das videoaulas devem ser traduzidos e apresentados na janela de Libras. O(a) professor(a) do AEE auxiliará nas orientações junto aos(às) intérpretes de Libras.

3.2) A legenda também é um recurso de acessibilidade importante que, com o auxílio de aplicativos específicos, pode ser inserida nos vídeos produzidos. Na internet, é possível encontrar vídeos com esse recurso já inserido.

3.3) Outro recurso importante é a audiodescrição, cuja função é traduzir imagens em palavras, permitindo que pessoas cegas ou com baixa visão consigam compreender conteúdos audiovisuais ou imagens. Para os vídeos que produzirem, é essencial que incluam áudios descritivos, juntamente com eventuais textos escritos ou quando contiverem apenas imagens. Isso pode colaborar com as pessoas cegas e com baixa visão, além de tornar o conteúdo acessível aos(às) estudantes que ainda estejam em processo de alfabetização.

3.4) Para que o material audiovisual seja acessível, é importante estarmos atentos à descrição das imagens: as pessoas com baixa visão e cegueira, além de outras pessoas, ainda que sem deficiência, se beneficiam desse recurso. Quando descrevemos uma imagem, oferecemos a oportunidade de que seu conteúdo informacional possa ser conhecido por outra via que não unicamente a visão. Na internet, existem tutoriais simples, ensinando o passo a passo para uma boa descrição. É possível, portanto, escrever sem dificuldades pequenas descrições e agregá-las às imagens que usamos. Desse modo, quem possuir um leitor de tela\* terá acesso direto a essa descrição. Da mesma maneira, um(a) mediador(a), em casa, poderá se beneficiar da descrição para explicar o assunto proposto.

O Facebook, por exemplo, conta com esse recurso. Por meio dele, é possível descrever as imagens postadas.

3.5) Leitor de tela é um recurso disponível para ler o conteúdo que se apresenta na tela do notebook, PC ou celular. Quem tem Windows 8 e 10 já encontra essa versão gratuita atualizada e disponível de fábrica. O mesmo vale para aparelhos Android ou IOS. Há leitores de tela de diferentes tipos, inclusive uma versão gratuita que pode ser baixada em outras máquinas (até mais antigas) chamado NVDA. Pode haver também diferentes leitores para diversos tipos de documentos. O site “Ver com Palavras” é uma referência nacional sobre o assunto: https://vercompalavras.com.br.

​4) Com relação a estudantes com deficiência visual, as demandas envolvem a adequação de material em diferentes formatos, como por exemplo, em braile, em áudio, em alto relevo, com fonte ampliada, ou digitalizado, para ser lido por leitor de tela, folhas com pauta ampliada e reforçada, uso de lápis 3b ou 6b (para aumento do contraste). O prejuízo do canal sensorial da visão poderá reduzir as chances de experiências sensoriais, prévias à escola, pelas quais os(as) estudantes adquirem conhecimento sobre os objetos e contextos. Assim, uma criança cega pode não ter conhecimento prévio (experiência) sobre objetos ou situações cotidianas em razão da falta de oportunidade de experiências táteis e auditivas adequadas para substituir as informações visuais.

​5) O Decreto nº 5.626/2005, que regulamentou a Lei nº 10.436/2002, no seu artigo 1º, reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e outros recursos de expressão a ela associados como meio legal de comunicação e expressão das pessoas surdas. Esse Decreto garante às pessoas com surdez serem usuárias de duas línguas distintas, Libras como primeira língua e português como segunda língua na modalidade escrita. Os(as) estudantes surdos(as) no meio educacional têm direito ao ensino nessas duas línguas – Libras (L1) e Português (L2). Para tornar acessível o ensino dos conteúdos aos(às) estudantes nas escolas e na sala de aula, é disponibilizado(a) um(a) intérprete e tradutor(a) de Libras como mediador(a) no processo da comunicação; a oferta do ensino da Libras, por meio de oficinas; o ensino da leitura e escrita dos conteúdos, considerando o português como segunda língua; a identificação e a elaboração de recursos de acessibilidade ao currículo. O trabalho pedagógico, entretanto, permanece sendo de responsabilidade do(a) professor(a), promovendo encontros junto à coordenação da escola com uma articulação e um planejamento do conteúdo a ser ministrado junto ao(à) intérprete e instrutor(a) de Libras. O planejamento do trabalho pedagógico poderá ser acompanhado e orientado pelo serviço de Atendimento Educacional Especializado (AEE). Para este momento, o(a) intérprete ou instrutor(a) de Libras deverá participar dos encontros formativos com o grupo de professores(as) e AEE para a organização do trabalho e participação nas atividades remotas a serem disponibilizadas pelos(as) professores(as) para todos(as) os(as) estudantes, não havendo necessidade de atividades diferenciadas para aquele(a) com surdez.

​6) É fundamental considerar, no planejamento do ensino e nas avaliações diagnósticas e de aprendizagem, que a escrita do português para esses(as) estudantes não se dá por via fonética como para estudantes ouvintes. Os(as) estudantes surdos(as) necessitam da atribuição de significado à imagem gráfica. O ensino da leitura e da escrita dos conteúdos de cada disciplina deve considerar os vários modos de produzir significado (KRESS, 2000), ressaltando a valorização das produções dos(as) estudantes em sua língua natural (Libras), considerando a expressão facial e corporal, a dramatização, o contexto, vídeos, dentre outros recursos visuais que contemplem uma metodologia e uma pedagogia visual. Para a leitura, a utilização de leitura visual de imagens, ícones, sinais, símbolos e signos linguísticos e a interpretação por meio de desenho, fotografia, ilustrações são fundamentais, tendo um cuidado para que as imagens dialoguem com o assunto e não sejam meramente ilustrativas (FREITAS, 2018). A leitura de vídeos em Libras e textos escritos em outras línguas como português, inglês e espanhol devem, de modo global, oferecer todo o conteúdo para que o(a) estudante se apropie do conhecimento e consiga apreender informações gerais e específicas do texto (QUADROS, 2006). Para o desenvolvimento da escrita, é importante o uso de diferentes gêneros textuais e discursivos que dialoguem com o interesse, a faixa etária e que desafiem os(as) estudantes a entederem a importância da escrita numa segunda língua e a sua função social.

​7) A apresentação de atividades ilustradas, uso de imagens e recursos visuais representam apoio importante para a compreensão do contexto e a interpretação de textos, devendo ser considerada no planejamento pedagógico, além de ser uma forma de comunicação, ampliando o universo dos estudantes com deficiência seja física, intelectual, TEA, sensorial.

​8) As restrições de campo visual decorrentes da deficiência física (acesso ao campo visual de acordo com o posicionamento em que é colocado) e aquelas decorrentes de deficiência sensorial (não ver, não ouvir) podem ocasionar lacunas no conhecimento prévio a respeito dos objetos e dos contextos. Assim, o(a) professor(a) deve assegurar que temas, objetos e situações tratados nas atividades sejam conhecidos por esses(as) estudantes.

​9) As especificidades decorrentes da deficiência poderão determinar impedimentos para o registro escrito, verbalização de respostas, manuseio autônomo do material escolar, dentre outras. Nesses casos, o(a) professor(a) deverá considerar válidas as alternativas para participação nas atividades. Para isso, o(a) professor(a) poderá oferecer material que permita ao(à) estudante apontar a alternativa escolhida, colar respostas corretas para as opções, usar da comunicação alternativa com registro por um escriba (apoio para a escrita), além das opções de acessibilidade já utilizadas na sala de Atendimento Educacional \ Especializado.

​10) Os recursos para acessibilidade à mediação de ensino feita pelo(a) professor(a) ao currículo escolar pode variar de acessibilidades simples, como, por exemplo, ilustrações, substituição de respostas escritas por respostas a serem assinaladas, cadernos e papéis maiores, inclinação dos materiais, materiais adesivos ou tipos específicos de lápis, até o uso de tecnologias assistivas no campo da informática.

4.1 Registros e avaliações

Os critérios que estão colocados para validação de carga horária, portfólio e outras formas de registro, estabelecidos na Portaria n° 138/2020 são também critérios a serem considerados para os(as) estudantes com deficiência, para fins de certificação. Não é o fato de se ter uma deficiência que irá determinar a retenção ou a progressão do(a) estudante, mas as implicações no seu desenvolvimento geral, que tal decisão poderá trazer para o processo de aquisição de conhecimento, visando à garantia do direito de aprender.

É importante que os(as) estudantes com deficiência participem de todos os processos de avaliação de sua turma. Isso possibilitará que o planejamento da rotina, as estratégias e os recursos a serem utilizados pelo(a) professor(a) em sala de aula possam contribuir para o desenvolvimento das competências/habilidades desse(a) estudante.

O registro centrado apenas nas competências/habilidades relacionadas às áreas de conhecimento exclui o reconhecimento de importantes esforços por parte dos(as) estudantes e da escola, quando eles apresentam desafios peculiares a serem enfrentados em função de prejuízos decorrentes da deficiência. Assim, um(a) estudante que apresenta defasagens, por exemplo, na linguagem expressiva e receptiva, ou na interação social, ou ainda no uso funcional de recursos escolares; demandará esforço próprio, e por parte da escola, que precisa ser registrado, assim como cada avanço no sentido da superação de tais defasagens.

Quando o(a) estudante com condições físicas, sensoriais e cognitivas específicas requer o acréscimo de objetivos individualizados, é importante fazer uso do Registro Descritivo de Aprendizagem. Este formulário compõe a escrituração dos resultados da avaliação e tem a função de descrição do desenvolvimento e da aprendizagem, tendo como referência os objetivos estabelecidos conforme a demanda identificada. O Registro Descritivo de Aprendizagem deve acompanhar a certificação, a fim de contextualizar para a família os pontos atribuídos em cada atividade, com base nos resultados atingidos, em relação aos objetivos individualizados, e acrescidos ao currículo proposto para o ciclo.

Lembrando que o Conselho de Classe é uma instância colegiada importante da escola que contribuirá na avaliação do processo ensino-aprendizagem e nas tomadas de decisão pelo do ano escolar.